Por Berna Almeida

crônicas -

Salve-se Quem Puder


Quando decidimos abrir mão de nossa vida em prol de alguém com demência, precisamos lembrar que a partir daí todas as certezas que tínhamos sobre nós, não fazem mais parte do nosso percurso. Ou nos agregamos a vida do outro ou passaremos o resto da nossa, em função de alguém que nunca mais será o mesmo, e muito menos entenderá que outrora, haviam flores em nossos jardins. Assim seguimos na expectativa de que o outro levante, e venha segurar nossas mãos para que possamos dar continuidade, ao que deixamos em algum lugar no pretérito.

Cuidamos da vida do outro acreditando que o novo se fará, que a cura virá galopante em nossa direção, e assim poderemos contemplar tudo aquilo a que temos direito, neste palco denominado Vida.

Precisamos nos ater de que nada disso ocorrerá e que a nossa vida, nossa Lenda Pessoal, não pode servir de ponto de partida para quem quer que seja.


Somos meros caminhantes neste caminho onde cotidianamente nos deparamos com os transeuntes que passam para lá e para cá.

Sonhos realizados ou não, alguém perdido em suas memórias nos aguardam com os olhos fitos no teto em um dos cômodos de uma casa, conhecida para nós, desconhecida para eles.

O tempo passa e continuamos a insisti no inviável, no inexistente, entregamos todas as nossas energias numa incógnita, em algo incompreensível, inaudível, inexplicável para quem parou com tudo, acreditando que uma reversão seria possível.

Nos tornamos reféns de um 1 sujeito chamado Alzheimer para o resto de nossas vidas.


Enquanto isto, o único local em que a expressão “nunca mais” é usada com êxito, é nesta patologia, e nunca mais as memórias serão as mesmas, nem mesmo os nossos sonhos, e por mais que consigamos nos encontrar onde nos deixamos, nosso olhar, desejos, vontades, já não serão mais significativos para o caminhantes de agora.

Por isto, precisamos dividir nossas cargas, saber sempre que não iremos salvar quem quer que seja, por mais que este seja o nosso ensejo.

Precisamos lembrar que nossos irmãos também são filhos e que o amor que eles tem pelos nossos pais, não são maiores ou menores do que os nossos.

Precisamos aprender que cada um ama a sua maneira, que se você sair para ir a um cinema, ir estudar, ir ao cabeleireiro, ou onde quer que seja, o que tiver de acontecer com ou sem você, irá acontecer.

Divida suas lutas, dê espaço a quem se propõe a lhe ajudar, deixe que o outro deixe um pedacinho de contribuição a vidas, que lhe deram vidas também.


Precisamos nos cuidar, precisamos entender que cuidar do outro não significa nos anular para que o outro não pereça.

Cumpra amorosamente e resignadamente com a sua missão terrestre, agradecido(a) pela oportunidade de poder servir e permitir que o outro também sirva, pois esta é a única forma de manter nossas ferramentas espirituais amoladas.


Autoria: Berna Almeida